Cotas: continuidade da Abolição
Eloi Ferreira de Araujo *
Sancionada em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea foi responsável pela libertação de cerca de um milhão de escravos ainda existentes no País. Representou a longa campanha abolicionista de mais de 380 anos de lutas. No entanto, aos ex-cativos não foram assegurados os benefícios dados aos imigrantes, que tiveram a proteção especial do Estado Imperial e mais tarde da República. Foram mais de 122 anos desde a abolição, sem que nenhuma política pública propiciasse a inclusão dos negros na sociedade, os quais são cerca de 52 % da população brasileira.
A primeira lei que busca fazer com que o Estado brasileiro inicie a longa caminhada para a construção da igualdade de oportunidades entre negros e não negros só veio a ser sancionada, em 2010, depois de dez anos de tramitação. Trata-se do Estatuto da Igualdade Racial, que oferece as possibilidades, através da incorporação das ações afirmativas ao quadro jurídico nacional, de reparar as desigualdades que experimentam os pretos e pardos. Este segmento que compõe a nação tem em sua ascendência, aqueles que com o trabalho escravo foram responsáveis pela pujança do capitalismo brasileiro, bem como são contribuintes marcantes da identidade nacional. Ressalte-se que não há correspondência na apropriação dos bens econômicos e culturais por parte dos descendentes de africanos na proporção de sua contribuição para o País. 
 O Supremo Tribunal Federal foi instado a decidir sobre a adoção de cotas para pretos e pardos no ensino superior público, e, também privado, na medida que o ProUni foi também levado à julgamento. A mais alta Corte do país decidiu que estas ações afirmativas são constitucionais. Estabeleceu assim, uma espécie de artigo 2º na Lei Áurea, para assegurar o ingresso de pretos e pardos nas universidades públicas brasileiras, e, reconheceu a constitucionalidade também do ProUni.                                                          
Também está em questionamento no Supremo Tribunal Federal, o direito das comunidades quilombolas, que na forma do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais  Transitórias, da Constituição da República de 1988 diz que: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Este tema reservou a Fundação Cultural Palmares a responsabilidade de certificação das comunidades quilombolas, etapa inicial no processo de titulação. Este Ato de certificar a comunidade Quilombola se dá de acordo com a Convenção Internacional, da qual o Brasil é signatário.                                  
Atualmente, 1826 comunidades quilombolas estão certificadas, 121 títulos emitidos, 149 relatórios técnicos de identificação e delimitação estão prontos. As áreas ocupadas pelos quilombolas, cerca de 2 milhões de hectares, são destinadas a sua reprodução cultural e a sua subsistência. Nelas não há desmatamento. Os quilombolas não estão associados à grilagem, esbulho ou invasão de terras. Políticas públicas para fixá-los no campo é a garantia de paz e de crescimento ordenado das cidades. Segundo estudos, as terras agricultáveis no Brasil somam perto de 360 milhões de hectares. Ou seja, o que os quilombolas ocupam é o simbolismo da resistência histórica, em face da escravidão. 
O Brasil tem coragem de olhar para o passado e lançar sem medo as sementes de construção de um novo futuro. Desta forma, podemos interpretar que tivemos o fim da escravidão como o artigo primeiro do marco legal. A educação com aprovação das cotas para ingresso no ensino superior como o artigo segundo. Ainda faltam mais dispositivos que assegurem a terra e o trabalho com funções qualificadas. Daí então em poucas décadas, e, com a implementação das ações afirmativas, teremos de fato um Estado verdadeiramente democrático, em que todos, independentemente da cor da sua pele ou da sua etnia, poderão fruir dos bens econômicos e culturais em igualdade de oportunidades.

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Artigo do Presidente da Fundação Cultural Palmares publicado no jornal A Tarde, do dia 14/05/2012

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